domingo, 14 de outubro de 2012

Labirintos silenciosos

O silencioso labirinto da vida me apresenta mil portas e sete chaves. Vejo-me obrigada a escolher entre sal ou açúcar, chuva ou sol, ruas ou avenidas. O silencioso labirinto grita: estamos entre quatro paredes invisíveis. Posso ver o movimento dos carros daqui, do lado de dentro. A criança que se ajoelhou para acariciar seu cachorro, desequilibrou. Caiu. Opto, as vezes, por não ver. Em frente as paredes imaginárias, levanto reais muros mentais. Será que finalmente atingi o isolamento? Talvez não... vejo tantas outras crianças caírem! Você consegue ver? Consegue me ver? Solto gritos de silêncio que ecoam no céu e espero que sejam minhas preces chegando. Vejo-as mais sem rumo que as nuvens: nada sabem em relação aos seus destinos... tão confusas quanto a minh'alma. Ando procurando algum atalho que me leve com rapidez às mil portas. Não desejo muita coisa: apenas um conhaque, um livro do Bukowski e as mesmas sete chaves para poder voltar ao meu conjunto de paredes imaginárias com retenção que se revestem mutuamente.

voarão?

eles, passarinhos
bebem água com cautela
procurando não se engasgarem
com os grãos que grudam na goela
passarinhos que não passam
nem passarão
mas, estão.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

estar na sala de estar

sala de estar
bagunçada
intransitável
sal
a
de
estar
a gosto
seus cheiros
na língua
sala de
estar
triste
feliz
indeciso
sala de
estar
destra
desatada
solar
estar
sala de saudade
está
sondando
sentar e
esperar
ver passar
na
sala de estar

tardemais

tarde demais
para calar
ou falar demais
tarde, mas...

Ciclo das flores

É preciso abrir as janelas nas manhãs de primavera e permitir a entrada do sol. Amarelos campos brilhantes serão formados e tudo o que pode ser tocado será revestido pela leveza dos raios. É preciso se banhar com a chuva e apreciá-la para, então, receber de braços abertos a beleza do arco-íris. É necessário mudar a alma de casa, permitir a entrada do outro, deixando-o livre para partir quando quiser. Vai-se corpo, mantém-se a essência e os laços inquebráveis de irmandades costuradas a mão. Vestígios inabaláveis do que nunca foi físico... cheiros familiares, e ao mesmo tempo inéditos, apresentam suas distintas coreografias nas ruas pode onde passo. Memórias e saudades de fatos inexistentes são sementes que geram frutos da imaginação. Capítulos futuros e inacabados da vida colocam-se num cenário paradoxal, onde a lua do meio-dia não brilha e o sol da meia-noite reluz. Flores do campo nascem do asfalto, lagartas não descasulam e os gatos latem. A cabeça vive no chão e os pés nas nuvens, buscando pisar nos colchões de algodão construídos pela dinvidade para abrigarem anjos que, outrora terrestes, hoje são - ou estão - celestes. Meu coração se divide, gera pedaços que criam pernas e desfilam pelas calçadas... batem nas portas alheias e mantêm a porta do coração regenerado aberta. O músculo involuntário infla até com hospedagens efêmeras porque o tempo é pó na avenida do aprendizado que, no cruzamento adiante, encontra a do crescimento. As portas fechadas, por vezes, esvaziam o coração, mas não importa: ao encontrar ambientes hospedeiros arejados e espelháveis, me atrevo a pular os muros e abrir ao menos as janelas. A primavera e seu trajeto se invertem: transitam de dentro para fora! O tempo que lá era pó, aqui é oxigênio: mantém o ciclo das flores em pé, medindo frações de segundo para deixar este mundo florido. Os sóis das manhãs de outubro, tão únicos e iguais, insistem em deixar sempre o mesmo aviso: as andanças da alma ainda transformarão meu mundo numa eterna primavera.